4.7.06
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Lucy, 25. ruiva. míope. insone. prolixa. rock star. jornalista. paulistana. mochileira.
aquariana. degustadora de capuccinos. gosta de inventar palavras. anda aprendendo a fazer silêncio. mãe do Elvis, o poodle de olhos verdes.
exímia contadora de piadas de pontinho. dubla rock´n roll suicide, do david bowie. não quebra ovo, muito menos separa clara e gema.
ama bolsas de paninho, livros, músicas, cinema e outras coisas belas. não toquem no meu queixo, não me chamem com diminutivos ou de "minha filha".
sushis? panelada? dreads? perucas e fone de ouvido compartilhados? no, thanks. o primeiro bombom que pega na caixa sempre é o quadradinho - geralmente, o mundy avelã.
and walks on the wild side [tu turu, tututu turu turu...]
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Dos mesmos autores de Pulp Fiction.
Quando eu era criança em Upper East Side, Nova York, praticamente estudava no ateliê da Ana Maria Braga. Na escola, rolavam altas aulas de artes até a, sei lá, quarta série. O nome do Tio era Jussieux, olha que sofisticado. Pra mim, a expectativa das aulas de arte já começava quando a gente recebia a lista de materiais no começo do ano. E eu ia com a mamãe no Centro, sabadão, pra comprar tintas, pincéis, crepom, celofane, um outro papel macio que nem veludo e os inevitáveis palitos de churrasco. Palitos de churrasco são daquelas coisas tipicamente pedidas apenas em listas escolares. Alguém aqui já precisou comprar palito de churrasco no dia-a-dia pra fazer... churrasco? Duvi-dê-o-dó. Só para os artesanatos, ó.
Pois é. Eu fazia de um tudo na escola: decorei uma lata de leite condensado pintada de marrom com pregadores de roupa envernizados grudados [rapaz, olha que precoce, desde pequena eu demonstrava essa inclinação para o design!], pintei a mão com tinha laranja e carimbei um saquinho de tecido com a minha palminha, fiz origamis de flores, sachês de sabonetes ordinários com tule. Aos quatro anos de idade, minha trajetória brilhante foi laureada com meu primeiro prêmio na Bienal e... Mas vocês entenderam. Qualquer leque véi, de papel dobrado, eu tava curtindo, tal.
Hum. Mas essas memórias afetivas de minha infância alegre são extremamente ofuscadas pelo presente, quando constato que, diferentemente de hoje, no meu tempo eu não tinha como passar cola quente em tudo, com a pistolinha. Passei a infância sem celular e sem IPod, porque não haviam sido inventados. Hum, o auge, pra mim, é a pistolinha. Ohn, sintam uma ponta de frustração e amargura na minha voz, nessas minhas linhas tremidas e mal escritas.
Obviamente, darei ao meu casal de rebentos, Sorine e Claritin, a mais completa assessoria em artesanatos e todo um kit contendo guaches, crayons e pistolinhas de cola quente pras crianças brincarem nos gramados do jardim e desenvolverem o lóbulo esquerdo do cérebro, o da criatividade. Vai ser lindo, uma alegria inenarrável, tal como a que senti quando aprendi a costurar fuxicos, há uns cinco anos. Lembro que eu queria aplicar fuxicos em tudo, quase ponho mamãe louca.
[...]
Pois então. Mas há o outro lado da moeda. O ruim de os pais estimularem a psicomotricidade dos pivetes é que, quase sempre, tudo que eles fazem fica horrível, sujo e borrado, sem harmonia com as cores, mal recortado, sei lá. E os pais sempre têm que ser gente boa e achar lindo, quase um Picasso, pra não desestimular o pobre pivete bem intencionado, bichim. Mas aí, fico pensando: gente, eu me conheço, sabe. Sou daquelas pessoas que até são educadas e fazem um social, mas... e se der o azar de eu ser sincera por acaso? Assim, sem querer? Já era. Será que eu vou conseguir fingir direito pro Sorine?!?
Suponhamos, ele vai e me desenha feia, com giz de cera verde e o cabelo assanhado de palha de milho. E chega pra mim e pras visitas, todo sorridente aos três anos, dizendo "Olha, fiz a mamãe". Eu vou ser obrigada a engolir o choro e dizer que "Pô, filhão, tá massa, i-gual-zi-nho! Ô orgulho!". Medo. Terei que providenciar uns desenhos meus pontilhados, pra ele só cobrir com canetinha e diminuir a possibilidade de sair um retrato meu horroroso.
Aliás, acho que eu vou acabar traumatizando o pivete, mandar ele desistir das artes e fazer um concurso público quando fizer dezoito anos. Vou proibi-lo de gorfar e terei nojo de suas assaduras. Quando aquele pedacinho de cordão umbilical secar e cair, vou ter uma síncope, vou desmaiar de aflição. Fugirei do meu filho quando ele pegar aquela catapora asquerosa que todo mundo adquire aos seis anos. Caracas. Vou ser uma mãe tão fria e cruel.
[...]
Bom, enfim, o importante é que eu, quando era menor, queria ter um programa de televisão. Não pensava em um formato definido, mas tinha que ter diversos artesanatos com pistolinha de cola quente, musicais rockers e uns quatro sorteios.
Ah, tá, vou revelar, mas sempre tive verdadeira fixação por sorteios. Mas é por sorteios-raiz, os originais, aqueles com cartinha, tal. Eu era bem miudinha quando já me via preenchendo aqueles cupons de assinante que vem na Veja, com dados fictícios. Recortava, jogava pro alto e fazia sorteios no meio da sala. Era massa, eu tinha uma sacola cheia de cupom. Meu sonho era ficar que nem o Luigi Barrichelli, no alto da pilha de cartas, pedindo pras partners jogarem tudo em cima de mim. Daí, eu daria a carta pro auditor* e anunciava o vencedor, que sempre era uma dona-de-casa de braços gordos balançando, suados, cheia de sobrinhos e com o marido usando boné de vereador**. Se tivesse vestibular pra apresentador de sorteios, eu teria feito. Mané jornalismo o quê.
Eu era tão influenciada pelos mass media que praticamente obriguei mamãe a cortar uma franja no meu cabelo, que nem a da Angélica. Oh, meus sete anos. Ela resistiu, resistiu, explicou que aquela franja da Angélica era escova, não era natural. Mas acabou cortando. Sempre me disseram pra ouvir os conselhos das mães, sabe. Essa foi uma das maiores vergonhas da minha vida: enquanto minha franjinha estava molhada, era Alexandre Pires; quando secava, virava Luis Caldas. Tsc tsc tsc. Claro que meus coleguinhas do colégio de freiras zoaram comigo, me colocaram na rodinha e me chutaram. E eu passei uns três anos com um saco de papel pardo na cabeça, sem ver a luz do sol. Era como em um videoclipe. Hoje em dia, esses pirralhos bastardos devem estar presos, apartados da sociedade, aprendendo um ofício na prisão, pagando por seus crimes, engolindo as infâmias.
Mas mamãe sempre teve desses terrorismos, conselhos, intuições e superstições. Toda mãe tem dessas maldades cotidianas. Porque cal "corta" as mãos, porque deixar o chinelo virado "atrai" morte, porque um pedaço de carvão no congelador é útil para... para... err, é útil, enfim. Mas a pior de todas foi a justificativa dela pra eu parar de andar descalça em casa: é que a cerâmica teria uma "friagem" que subiria pelas minhas pernas e chegaria ao meu ÚTERO, o que me causará dores insuportáveis quando eu tiver mais idade. Ela diz que eu vou pagar muito caro, mas MUITO CARO, por andar com os pés no chão frio... Tensão, pavor. Alguém desminta isso logo nos coments, pra eu poder dormir tranqüila a noite.
[...]
Mas devo admitir que a era áurea dos sorteios está com os dias contados, eles vêm perdendo todo o seu charme. Agora é tudo eletrônico, tudo lá no telão de plasma, não tem nem cupom ou human touch. Que saco. Mas se o bacana era exatamente o montinho de cartas nos programas.
*Tô pra conhecer profissão mais mole que a de auditor. É só olhar nome e endereço, se a pessoa mandou a tampa melada de danone direitinho, com a resposta óbvia da promoção: "danone". Sim, porque sempre são perguntas simplééérrimas, tipo "Qual a cor do cavalo branco de Napoleão?" ou "Qual creme dental deixa os dentes mais brancos e o hálito mais puro?" e, atrás, 45 meninas vestidas com a blusa do finado Kolynos e letreiros piscando, eufóricos: "Kolynos, Kolynos".
** Só registrando que eu ficaria uma fera se eu ganhasse algum concurso e o povo da TV fosse na minha casa DE SURPRESA, pra entregar as barras de ouro e os carros 0km. Já imaginaram? Chega a Globo aqui AO VIVO, do nada, com algum apresentador lindo, e eu atendo a porta toda desgrenhada, com uma blusa comprida de três eleições passadas, descalça, parecendo um mirim EM REDE NACIONAL, em pleno domingo. Deus me livre, eu ia parecer aquelas mulheres detonadas do "antes", do "antes e depois" dos comerciais americanos. Pois eu pegava a grana e me mudava do país, pra curtir uma vida de anonimato e ostracismo. Se eu participasse daqueles sorteios que tivessem visitas surpresa, eu ia viver arrumada em casa, de calça jeans.
goodnight moon, shivaree
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